Voltando a citar Carl Sagan, porém desta vez ambientando levemente sobre o romance "Contato", onde dois cientistas, Ellie e Der Heer apaixonam-se. A reunião de seus intelectos numa atmosfera romântica, límpida e vívida transforma suas observações em verdadeiras aulas de como celebrar e entender a vida.
"Der Heer fizera com que uma linda lagarta azul subisse num pauzinho. O animal avançava resolutamente, ondulando o corpo iridescente com movimentos de seus catorze pares de pernas. No fim da vareta, segurava-se com os cinco últimos segmentos e se agitava no ar, numa valente tentativa de encontrar novo apoio. Não conseguindo êxito, virava-se em torno de sim mesmo e refazia o longo caminho. Então Der Heer segurava o pauzinho com a outra mão, de modo que, quando a lagarta chegava ao ponto de partida, mais uma vez não achava aonde ir. Como um mamífero vivo enjaulado, a lagarta caminhou de um lado ao outro várias vezes; nas últimas passagens - Ellie teve a impressão -, com crescente impaciência. Ela começava a sentir pena da pobre criatura.
'Que programa maravilhoso existe na cabecinha dessa coisa!', exclamou Der Heer. 'Funciona sempre... Um programa ideal de fuga. E ela sabe como não cair. Quero dizer, o pauzinho está para todos os efeitos práticos, solto no ar. A lagarta nunca passa por essa experiência na natureza, pois o pauzinho está sempre ligado a alguma coisa. Você já imaginou, Ellie, como seria ter esse programa na sua cabeça? Quero dizer, seria óbvio para você que deveria fazer quando chegasse ao fim de um pauzinho? Você teria a impressão de estar raciocinando? Você ficaria imaginando como é que sabia balançar seus dez pés anteriores no ar, enquanto se segurasse firme com os outros dezoito?'
Ellie inclinou ligeiramente a cabeça e examinou Der Heer, não a lagarta. A ele não parecia difícil imaginá-la como um inseto. Tentou responder de modo neutro, lembrando-se de que para ele aquilo representava um interesse profissional.
'Que vai fazer com a lagarta agora?'
'Ora, vou colocá-la na grama. Que mais poderia fazer?'
'Algumas pessoas a matariam'
'É difícil matar uma criatura depois que se tem um vislumbre de sua consciência.'"
E a estória segue de forma brilhante e encantadora, em uma alegoria de como seria diferente o mundo se o víssemos através dos olhos de Der Heer.
(Carl Sagan)
Nenhum comentário:
Postar um comentário