sábado, 23 de junho de 2012

FILOSOFIA: Lewis Mumford (EUA / 1885 - 1990)

Lewis Mumford

Em seu segundo livro, A Condição de Homem (1930), o sociólogo americano discorre sobre a forma e as implicações de se viver em sociedades, que começaram a criar forma logo com o advento da imprensa, um século após o Renascimento. Na Europa, começaram a fundar-se novas escolas, universidades e mesmo pesquisadores e curiosos autônomos, grandes nomes da ciência e filosofia, como Galileu, Newton, Voltaire, Kant, Shakespeare e todos os pré-contemporâneos dos quatro séculos seguintes. Mumford é diversas vezes brilhante e romântico ao analisar este fenômeno histórico com a sua parcialidade e interpretação:


"Quando despojamos o homem de todas as suas funções como "membro de uma raça, povo, partido, família ou corporação", estamos reduzindo o domínio da personalidade; pois a personalidade emerge, não por um desapego do meio social, mas por uma assimilação e encarnação mais completa desse meio.

A integridade do indivíduo depende de sua associação dentro de uma comunidade integral. Aqueles que fugiam aos direitos e deveres da vida numa comunidade não obtinham liberdade. Ou ficavam flutuando num sonho vão em que se compraziam, ou submergiam até uma existência animal; existência de que davam prova por sua disposição para violência, para a brutalidade, para a malvadez.

Em verdade, o desapego social é a morte. A todos os instantes o indivíduo desapegado é alentado pelos labores dos outros homens, pelos conhecimentos que ele adquiriu na sociedade, pelas esperanças e sonhos que evocam suas origens sociais.


Quando o Novo Mundo ideológico passou a adquirir uma forma precisa, foi-se tornando evidente que, para ingressar nele, tinha-se que passar por uma preparação especial. Entregues a si mesmos, a maior parte dos membros da comunidade continuavam indolentemente apegados às formas estabelecidas da religião, do pensamento e da técnica: cavavam, exploravam as minas e construíam como antes tinham feito seus antepassados, seguindo o mesmo caminho, os mesmo sulcos já bem marcados da rotina. Qual então o instrumento essencial que venceu essa inércia? Nada menos que a palavra impressa. A invenção da imprensa com tipos móveis uniformes, a qual no século XVI se estendera com uma rapidez incrível desde a Coréia até a Europa, foi o novo mensageiro da vida pública. Aqueles que liam a palavra impressa passaram a fazer parte de uma nova comunidade, a comunidade dos letrados; em lugar de se contentarem com o pouco que podiam ver, ouvir, ou sentir em suas imediações, entraram a constituir um grupo cada vez maior de homens que passavam uma porção maior de seus dias ocupados com experiências de segunda mão, sensações simuladas e percepções verbais de fatos e coisas até então longe da vista e do coração. O livro tornou-se o fator principal da comunidade;  e o processo de corporificação: adquirir realidade era existir no papel impresso.


A imprensa acabou com o monopólio da cultura por uma classe. Embora tal monopólio  fosse por algum tempo e até certo ponto conservado, por causa do alto capital exigido para instalação de um prelo e por causa também dos privilégios restritivos conferidos pelo estado a fim de controlar a produção e distribuição de livros, o fato é que com o tempo a maquina tipográfica veio a ser um grande fator de difusão da cultura e nivelamento cultural. Nenhum tesouro no México ou em Cuzco se compara em valor à herança imaterial que, pela primeira vez na história, agora se oferecia à posse e gozo da raça."

Passeando pelas 15 páginas que seguem neste mesmo capítulo, Mumford aborda meia dúzia de grandes eventos sociopolíticos decorrentes do advento da imprensa, como o Fascismo, o Totalitarismo, a impressão em livros e distribuição das descobertas dos cientistas e o a importância dos livros nas Universidades como fatores de transformação cultural. Infelizmente já naqueles tempos, década de trinta, ele acaba por concluir o capítulo com um parágrafo melancólico e assustador, donde é passível a interpretação de que a felicidade e a plena satisfação humanas não residem apenas na tecnologia e nas facilidades disponibilizadas pela ciência, mas na profunda espiritualidade e comunhão de nós, humanos.
O Homem Moderno preparou-se para a conquista do mundo exterior; tinha fé nas maquinas e essa fé foi justificada pelas obras. Projetou sobre a sociedade adulta o sonho infantil de poder ilimitado e antecipou-se a uma época em que o botão elétrico fazia surgir a comida com a mesma facilidade com que o choro do infante faz vir-lhe à boca a mamadeira ou o seio. Porém depois de quatro séculos de esforço estrênuo seus míticos poderes continuam ainda ilusórios. A despeito de suas maquinas, ele continua passando fome no meio da fartura; não obstante seu conhecimento de estrelas remotas e de mundos intra-atômicos, a civilização que ele criou deu origem a uma barbaria que acaba de levar a ruína e a devastação a todos os pontos do planeta. Numa serie de guerras mundiais e mundiais revoluções, o que o Homem Moderno está de fato penosamente conseguindo é suicidar-se."


Particularmente acredito sermos muito poucos ainda (passados quase cem anos) que atuamos como catalizadores de uma mudança no plano espiritual. Onde todos fazemos o bem para a humanidade e a biodiversidade, a atmosfera terrestre. São poucos ainda que pensam globalmente e agem localmente, como Capra havia dito em 1980 através das palavras do economista Schumacher. Basta olhar criticamente os atuais acontecimentos como a farsa que encenam os políticos na Rio+20, ou ver a máquina de fazer dinheiro e padronizar costumes que é a TV nacional. É possível olhar com esperança para o futuro, ainda creio nisto, mas essa geração precisa realmente despertar, o aumento populacional e a destruição global entraram em uma curva acentuada, em progressão geométrica, é preciso puxar os freios antes que seja tarde demais.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

FILOSOFIA: Carl Sagan (EUA / 1934-1996)

"Se nos recusarmos radicalmente a reconhecer em que pontos somos propensos a cair em erro, podemos ter quase certeza que o erro - mesmo o engano sério, os erros profundos - nos acompanhará para sempre. Mas, se somos capazes de uma pequena auto-avaliação corajosa, quaisquer que sejam as reflexões tristes que possa provocar, as nossas chances melhoram muito."



Carl Sagan

sexta-feira, 1 de junho de 2012

LITERATURA: Fernando Pessoa (Portugal / 1888 - 1935)

Fernando Pessoa


Passear pelo desassossego de Fernando Pessoa é encontrar-se e perder-se simultaneamente na existência, ele preenche e esvazia o que somos, levanta questões fundamentais. O "Livro do Desassossego" são fragmentos de percepções pessoais, escritos no inicio do século passado, são pérolas perturbadoras de um gênio dedicado a buscar a compreensão - inatingível - para os sentimentos humanos, dai o desassossego completo, pois Pessoa estava obcecado por esta idéia.  

"Pasmo sempre quando acabo qualquer coisa. Pasmo e desolo-me. O meu instinto de perfeição deveria inibir-me de acabar; deveria inibir-me até de dar um começo. Mas distraio-me e faço. O que consigo é um produto, em mim, não de uma aplicação de vontade, mas de uma cedência dela. Começo porque não tenho força para pensar; acabo, porque não tenho alma para suspender." 

"E assim sou, fútil e sensível, capaz de impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis, mas nunca de um sentimento que subsista, nunca de uma emoção que continue, e entre para a substância da alma. Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa; uma impaciência da alma consigo mesma, como com uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entonações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouví-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que não me lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que não me recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância - irmãos siameses que não são pegados."