sexta-feira, 1 de junho de 2012

LITERATURA: Fernando Pessoa (Portugal / 1888 - 1935)

Fernando Pessoa


Passear pelo desassossego de Fernando Pessoa é encontrar-se e perder-se simultaneamente na existência, ele preenche e esvazia o que somos, levanta questões fundamentais. O "Livro do Desassossego" são fragmentos de percepções pessoais, escritos no inicio do século passado, são pérolas perturbadoras de um gênio dedicado a buscar a compreensão - inatingível - para os sentimentos humanos, dai o desassossego completo, pois Pessoa estava obcecado por esta idéia.  

"Pasmo sempre quando acabo qualquer coisa. Pasmo e desolo-me. O meu instinto de perfeição deveria inibir-me de acabar; deveria inibir-me até de dar um começo. Mas distraio-me e faço. O que consigo é um produto, em mim, não de uma aplicação de vontade, mas de uma cedência dela. Começo porque não tenho força para pensar; acabo, porque não tenho alma para suspender." 

"E assim sou, fútil e sensível, capaz de impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis, mas nunca de um sentimento que subsista, nunca de uma emoção que continue, e entre para a substância da alma. Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa; uma impaciência da alma consigo mesma, como com uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entonações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouví-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que não me lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que não me recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância - irmãos siameses que não são pegados."

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