sexta-feira, 27 de julho de 2012

FILOSOFIA: Friedrich Nietzsche (ALEMANHA / 1844 - 1900

Friedrich Nietzsche 


"Do novo ídolo

- Nalguns lugares há ainda povos e rebanhos, mas não entre nós, meus irmãos; entre nós há Estados.
- Estado? Que é isso? Vamos! Apurai os ouvidos, porque agora vou falar-vos da morte dos povos.
- Estado é o nome do mais frio de todos os monstros gelados. Aliás, ele mente duma maneira fria e a mentira que sai da sua boca é esta: 'Eu, o Estado, sou o povo' .
- Mentira! Eram criadores aqueles que criaram os povos e por cima deles suspenderam uma fé e um amor: deste modo serviam a vida.
- São destruidores aqueles que armam ciladas à multidão e chamam a isso Estado: suspendem por cima deles uma espada e cem cobiças
- No lugar onde ainda existe um povo, este não tolera o Estado e odeia-o como um mau-olhado, como um pecado contra os costumes e o direito.
- Dou-vos este sinal: cada povo fala a sua língua acerca do bem e do mal: o vizinho não a compreende. Inventou a sua linguagem nos costumes e no direito. 
- Mas o Estado mente em todas as línguas acerca do bem e do mal; tudo o que ele diga é mentira - tudo o que ele tenha é roubo.
- Nele tudo é falso: morde com dentes roubados, o cão malvado. Até as suas entranhas são falsas. 
- Confusão das línguas do bem e do mal: dou-vos este sinal como sinal do Estado. Na verdade, este sinal quer dizer vontade de morte! Na verdade, ele chama os pregadores da morte! 
- Demasiados homens vêm ao mundo: o Estado foi inventado para supérfluos! 
- Vede, pois, como os atrai, àqueles que estão a mais! Como ele os engole, os mastiga e os rumina!
- 'Nada há maior do que eu sobre a terra: sou o dedo soberano de Deus' - assim ruge o monstro. E não são unicamente os de grande orelhas e de vista curta que se põem de joelhos! 
- Oh! Também a vós, almas grandes, ele murmura sombrias mentiras! Oh! Como ele adivinha os corações ricos que gostam de fazer prodigalidades! 
- Até mesmo a vós vos adivinha vencedores do velho deus! O combate fatigou-vos e agora essa fadiga serve para o novo ídolo! 
- Esse novo ídolo desejaria rodear-se de heróis e de homens honrados! Gosta de se aquecer ao sol da boa consciência - o frio monstro! 
- O novo ídolo dar-vos-á tudo se vós o adorais: é desse modo que compra o brilho da vossa virtude e o vosso olhar altivo
- Através de vós quer atrair aqueles que estão a mais! Trata-se da invenção duma marcha infernal, dum cavalo-de-batalha da morte tilintando sob os arreios das honras divinas! 
- De facto, é a invenção duma morte para a maioria, duma morte que se vangloria a si própria de ser a vida: na realidade, um serviço prestado a todos os pregadores da morte! 
- Dou o nome de Estado ao lugar em que todos, bons e maus, se perdem a si mesmos; Estado, o lugar em que o lento suicídio de todos se chama 'a vida'. 
- Vede, pois, esses que estão a mais! Apropriam-se das obras dos inventores e dos tesouros dos sábios. Chamam ao seu roubo cultura e tudo para eles se torna em doença e males. 
- Vede, pois, esses que estão a mais! Estão sempre doentes, vomitam a sua bílis, e a isso chamam jornal. Devoram-se uns aos outros e nem sequer se podem digerir. 
- Vede, pois, esses que estão a mais! adquirem riquezas e só conseguem tornar-se mais pobres. Esses impotentes querem o poder e, antes de todo o resto, a alavanca do poder, ou seja, muito dinheiro! 
- Vede-os trepar esses ágeis macacos! Sobem uns por cima dos outros e empurram-se para a lama e para o abismo.
- Querem aproximar-se todos do trono: é essa a sua loucura - como se a felicidade estivesse no trono! Muitas vezes é a lama que está no trono ou então é o trono que assenta na lama. Aos meus olhos, são todos loucos, macacos trepadores e pessoas febris. O monstro frio, o seu ídolo, cheira mal: todos esses idólatras cheiram mal. 
- Quereis sufocar no meio das exalações das suas gargantas e dos seus apetites, meus irmãos? Mais vale quebrardes as janelas e saltardes para fora.
- Evitai o mau cheiro! Afastai-vos da idolatria dos supérfluos! 
- Evitai o mau cheiro! Afastai-vos do fumo desses sacrifícios humanos! 
- Apesar de tudo, a terra agora ainda está livre para as grandes almas. Há ainda muitos lugares vazios para aqueles que estão sozinhos ou que têm a sua solidão a dois, lugares onde sopra o dor dos mares silenciosos. 
- Há ainda uma vida livre para as grandes almas. Na verdade, quem pouco possui também pouco é possuído: abençoada seja a pequena pobreza! 
- Precisamente onde termina o Estado começa o homem que não está a mais: aí começa o cântico da necessidade, a melodia única e incomparável.
Olhai bem, portanto, meus irmãos, para onde termina o Estado! Não vedes o arco-íris e a ponte do Super-Homem?

Assim falava Zaratrustra."

Trecho do livro "Assim falou Zarastustra"

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